O que pode a literatura, afinal? #4
Manguel, eu não encaixotei minha biblioteca, mas precisei escolher o que vinha e o que ficava.
Esse texto nasceu há algumas semanas. Aliás, parte dele. Hoje ele ganha vida, coincidenemente ou não, depois de um hiato de um mês longe daqui. E também longe de mim. Sim, quando fico ser ler e escrever, quase sempre, estou no limbo, ou, como desta vez, cavando outras formas de existir.
Viajei para SC há alguns dias para participar de um Congresso. O que antes era um simples ir e vir, hoje pede uma nova logística e organização, afinal, amamento e minha bebê foi comigo (ela iria mesmo se eu não amamentasse). Foi uma viagem bem simbólica, com muitos abraços e afetos. A vida foi gentil.
Na semana que passei na minha casa precisei administrar o meu tempo com os afazeres que o cotidiano exige, trabalhar, cultivar a saudade que já sentiria dos meus gatos, organizar uma agenda de compromissos e me preparar para uma nova viagem. Desta vez, para o Nordeste. Inclusive, se você mora em João Pessoa ou Recife, vou passar um tempo por aqui, então, podemos tomar um café e falar sobre a vida e/ou sobre trabalho. Inclusive, estou com algumas datas disponíveis para palestras e formações (andreiaoaiguma@gmail.com).
Voltemos ao título do texto. Ou ao porque dele.
Quando Alberto Manguel se mudou de uma casa que mais parecia um palácio para um apartamento em Nova Iorque, ele precisou se desfazer de sua biblioteca. Sei disso, porque li o seu livro Encaixotando minha biblioteca: uma elegia e dez digressões. Lembro-me da angústia que senti e também do quanto que aprendi com aquela leitura, inclusive, talvez, seja tempo de retomá-la, mas não agora, pois o livro não veio comigo.
Vamos as minhas digressões, então:
sempre que preciso tomar decisões importantes, eu arrumo os meus livros. Parece que o tempo que "gasto” entre a poeira acumulada e a surpresa de saber que tenho determinada obra, ou, me questionar o porquê que ainda não li tal título me causam sensações que cabem no indizível. Desta vez, me surpreendi com as duas edições iguais do livro A valsa do adeus, do Kundera. Fiquei atônita me questionando em qual momento eu acumulei aqueles livros (e o que mais tenho acumulado sem perceber); depois separei alguns livros que quero muito ler e pensei: vou levá-los comigo e será uma ótima oportunidade para lê-los. Depois, guardei-os e decidi que traria Grande Sertão: veredas, do Guimarães, porque o que eu preciso neste momento da minha vida é conhecer algo que eu já conheça. Ele veio. Ainda está fechado, mas será aberto; depois, a parte mais difícil, decidir acerca das leituras de trabalho, pois eu preciso terminar o meu relatório do Pós-doc e ainda ofertar algumas formações. Separei. Não sei se vou me arrepender, mas estou com uma estranha sensação de que para esse momento o que tenho me basta. Cadê a falta? Tá em outro lugar, não no trabalho. Ou talvez também esteja, mas "desfocada".
Eu só consegui limpar e organizar os livros literários. Os teóricos continuaram desarumados. Isso diz muita coisa. Na volta, eles serão olhados e também a minha (nova) relação com a pesquisa e o que eu quero, de fato, pesquisar agora. Lá atrás, quando ainda fazia doutorado eu desejei uma vida de estudos que fosse atravessada pelo meu querer e ela começou a existir há algum tempo e ganhou força com o Ciclo de Estudos: formação docente e o ensino da literatura, nas versões presencial e on-line. Duas turmas completas e o espanto de saber que pessoas estão dispostas a pagar para estudarem comigo. Viver de literatura? Sim!
O que pode a literatura, afinal? Eu não sei. Ou sei. A literatura pode contribuir com a construção da nossa subjetividade. Ela pode nos ajudar na construção do imaginário. Alimentar as nossas fantasias. Possibilitar-nos o sonhar. Ser AFETO. A literatura é capaz de mostrar outras realidades. Contar histórias. E também nos ajuda a contar a nossa história. Eu tenho experimentado outros corpos, culturas, e ela tem me ajudado a entender sobre mim e a olhar os outros com mais respeito e a olhar alguns (outros) com mais espanto e (outros) com desprezo.
É, a literatura pode muito, mas ela precisa ser democratizada e estar ao alcance de quem deseja ler e também de quem (ainda) não a conhece. Do lado de cá, ela ajuda a pagar as contas, tanto as financeiras, quanto as emocionais. Como? Comprando dois livros iguais pode ser um bom começo para compreender.
Suspiros!
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